Introdução:
Este artigo sintetiza algumas das questões centrais do nosso trabalho de pesquisa, modalidade Recém Doutor, patrocinado pela Capes durante os anos de 95 à 97, na Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo. Nossa preocupação centrava-se nas questões decorrentes da emergência de uma nova mentalidade a partir da configuração das novas tecnologias (sistemas informáticos inteligentes, realidades virtuais, vinculações à redes). Esta nova mentalidade-sincrônica ou condicionada pelos moldes das novas tecnologias-implicava certamente, numa nova maneira de lidar com o real, de se apropriar do objeto e de conhecer. Nosso objetivo consistiu em detectar e identificar de maneira bem geral, o surgimento de novas estruturas estéticas análogas à estrutura da linguagem tecnológica. Demonstrei que algumas das mesmas estruturas perceptivas encontradas na linguagem tecnológica estão sendo desenvolvidas sincronicamente em outros campos do saber. Estes campos são : o objeto estético propriamente dito e o da moda contemporânea. Neste artigo entretanto detivemo-nos no primeiro campo.
O abandono das grandes estruturas transcendentes e teleológicas presentes nos grandes meta-relatos da modernidade implicam numa nova linguagem. Ausência de centro, pluralidade de sentidos, fragmentação são algumas das novas estruturas que estão presentes atualmente nos discursos do saber. A arte e a literatura não escapam desta nova lógica, constituindo toda uma nova gramática. Cultura do ornamento e do signo, pastiche, revivals, ecletismo são alguns destes elementos desta nova gramática. Neste perspectiva é importante também ressaltar aqui como a própria noção de história e de verdade que acompanha estes novos discursos também se modifica. A simultaneidade e contemporaneidade das mais diversas experiências das sociedades, propagadas pelos novos meios tecnológicos de comunicação, modificam as antigas noções de história e verdade. Não se pode considerar mais caminhos com um sentido orientado (presente em direção ao futuro) e nem numa verdade única. O tempo das experiências pode se sobrepor, assim como são múltiplas as verdades ou visões de mundo na vida social possibilitadas pelas novas tecnologias. Todas estas modificações no pensamento ético e estético da sociedade são correlatas à estrutura das novas tecnologias. A configuração destas condiciona, molda, ao mesmo tempo que é espelhada e refratada em todo o "esprit du temps" contemporâneo.
Nosso trabalho de pesquisa utiliza-se do recurso epistemológico formista (Cf. Michel Maffesoli) já na própria colocação da hipótese : dizemos que há uma correlação entre o modelo das novas tecnologias ( relação sujeito-objeto, abstrato-concreto etc) e as manifestações estéticas da arte contemporânea. Trata-se de propor a seguinte pergunta-hipótese : a linguagem tecnológica, na sua estrutura essencial, não se refletiria nas novas formas estéticas (novo objeto de arte, moda) ? Em que medida isto estaria ocorrendo? Para propor esta pergunta hipótese temos que colocar em confronto categorias da nova linguagem tecnológica com categorias das novas formas estéticas e verificar a possibilidade desta interpenetração. As categorias da linguagem tecnológica, de acordo com o nossa revisão bibliográfica minuciosa sobre o assunto são as seguintes :
1. As categorias da nova linguagem tecnológica 1.1 da representação à presentação 1.2 o realismo conceitual 1.3 o abstrato sensível 1.4 a mutabilidade dos sentidos
A proposta de articulação destas com as novas formas plásticas consiste no seguinte encaminhamento :
2. A proposta de categorização das novas formas plásticas 2.1 a visibilidade do invisível 2.2 o realismo conceitual e o orgânico 2.3 a corporeidade abstrata 2.4 mutabilidade de sentidos, transmutações
II O Caminho da Articulação
Na questão 1.1 (da representação à presentação) trabalhamos o caminho epistemológico que vai da representação do real percebido e empírico à apresentação do real sem mediação da percepção concreta. Tal caminho é trilhado através do estudo da relação sujeito-objeto encontrada na fotografia, no cinema, na televisão, no vídeo-arte e sobretudo nas imagens de síntese. Tentou-se mostrar o caminho que leva o artista a apreender o real como o real-percebido até ao real apreendido como simulação. Em outras palavras, a discussão aí se remete às maneiras que levam o olhar apreender e tornar visível, o invisível. Na questão 1.2 (o realismo conceitual) trabalhamos exatamente a capacidade da linguagem tecnológica apreender o real de forma conceitual, uma das possibilidades da simulação. Isto significa mostrar como o real pode ser apreendido não só pela percepção mas pela intuição, pela imaginação ou por um diagrama estrutural que se tem deste. Na questão 1.3 (o abstrato-sensível) trabalharmos um dos paradoxos mais característicos da imagem sintética: a dimensão concreta e sensível do mundo abstrato e formal da matemática. Ao mergulhar e navegar nos mundos virtuais experimentamos uma sensação realista e tangível. O corpo pode quase que fisicamente experimentá-la. As roupagens especiais (luvas, óculos, macacão) ainda acirram mais esta sensação. O abstrato e o concreto ou o natural e o formal, tornam-se através da linguagem numérica, definitivamente entrelaçados. No item 1.4 (a mutabilidade dos sentidos) enfocamos as questões do tempo e espaço da linguagem tecnológica em relação ao tempo e espaço do presente. Existiria na primeira uma sobreposição de tempos. Discutimos também neste item as combinações, alterações de sentido entre o emissor e o receptor dentro de uma rede hipertextual, do tipo Internet. O esquema aí não seria mais "A" transmite alguma coisa a "B"mas sim "A"modifica uma configuração que é comum a A, B,C, D etc. Trata-se aqui de refletir sobre "operações moleculares de associação e desassociação que realizam a metamorfose perpétua de sentido"(Pierre Levy).
III A Operacionalização das Categorias
Tracemos agora uma operacionalização das categorias que foram examinadas no estudo das formas estéticas. As questões colocadas são uma tradução formal da estrutura das linguagens tecnológicas. Elas implicam no tamanho e dimensão da "rede" pôr onde "capturaremos os nossos peixes", ou seja a construção do olhar que permitiram selecionar e analisar os dados. Vejamos :
2.1 A Visibilidade do Invisível a)-caracterização do invisível : As novas formas plásticas apresentam características de imaterialidade, a transparência a fluidez, o fluxo, a velocidade? Qual o material está sendo utilizado ? b)-caracterização do visível: como se dá o contato com o visível? Através do ilusionismo tridimensional? da perspectiva? Ou ele se dá através da superficialidade, da tactilidade? Existe metáfora ou os caracteres físicos são apresentados concretamente?Como é a relação com o espaço? c)-caracterização da relação espectador-obra: existe a separação sujeito/objeto, o espectador é incorporado à obra ?
2.2 A Relação Abstrato /Concreto a)-relação entre o conceitual e o orgânico como se dá a relação entre o construtivismo e a organicidade? entre a simetria, o racional e o gestual barroco expressivo? - relação entre a substância e abstração quais são e como se dá a utilização das substâncias? Como estes materiais, enquanto substância pode veicular a abstração? b)-os novos atributos do espaço : como o espaço é caracterizado ? Ele é extensão infinita, etérea ou corporificado e sujeito a limites?
2.3 Mutabilidade de sentidos/ transmutações a)-justaposição de tempos, espaços, hibridismos os estilos se justapõem ? Os tempos e espaços estão fragmentados? Eles são intercambiáveis?
b)-transmutação de elementos em outros
IV O Procedimento
O material empírico no seu levantamento, tabulação e análise consistiu no seguinte tratamento:
a) o levantamento do material Selecionamos praticamente todas as reportagens dos anos de 93/94 (artes plásticas) e 93/94 e início de 95 (moda) publicadas na Folha de São Paulo. Trabalhamos com praticamente todas as notícias do período. Os fatos "miúdos", o estudo das pequenas realizações dos artistas e estilistas ainda sem renome são fundamentais para o nosso método. Tal estudo deve mostrar a CONVERGÊNCIA, para utilizar o termo empregado por Michel Maffesoli ( Cf. La Conaissance Ordinaire) , destes "anônimos"em direção aos trabalho dos artistas renomados e das instituições. No entanto, as reportagens que tratavam dos "notáveis", foram, pôr este mesmo motivo mais privilegiadas do que as primeiras, na etapa de seleção do material. Consultamos até mesmo um material suplementar para auxiliar a análise. Tal prioridade é compatível com o exercício epistemológico da Forma (Cf. La Conaissance Ordinaire). A escolha aponta para um exemplo paroxístico do fenômeno, um instante onde ele é melhor apreendido. Este é, o caso pôr exemplo de mostras de arte organizadas pôr uma instituição ou a carreira de um artista legitimado.
b) tabulação do material
Fizemos uma tabulação de acordo com as categorias operacionalizadas pôr nós. Toda reportagem foi enquadrada num dos pontos acima discutidos. Ocorreu, porém, com frequência que um mesmo trabalho de um artista possa estar subsumido a várias categorias. Ou, ao contrário, a existência (menor frequência) de trabalhos sem absolutamente nenhum vínculo com os demais. Estes não entrararam na tabulação.
c) análise do material
Fizemos uma pré-análise do material que consistiu em articular os conceitos dos trabalhos contidos nas próprias reportagens - exceção feita para alguns trabalhos mais significativos, onde houve a busca de outras fontes de material -com as categorias estabelecidas.
V Um Panorama Geral Dos Resultados Obtidos
Apresentamos aqui um panorama geral dos resultados obtidos
2.1 A Visibilidade do Invisível 2.1.1 caracterização do invisível : Observamos, em uma grande parte dos trabalhos, uma tendência à velocidade, ao fluxo, a fluidez, a imaterialidade, a transparência e a virtualidade. Selecionamos alguns exemplos significativos.
a)O projeto Arte-Cidade realizado em 94. Este projeto é um exemplo paroxístico da tendência atual que se delineia. Trabalhando com o método da "Forma" devemos estar preocupados com o movimento que faz o percurso entre a cristalização do fenômeno em instituições e sua ressonância em pequenos atores. Este exemplo é, portanto, muito instrutivo. A cidade promove o evento; portanto há uma legitimação institucional. Pôr outro lado, os artistas que aí estão também desenvolvem os mesmos temas separadamente. Encontra-se aí um momento privilegiado do método da "Forma"que utilizamos. Reproduzimos as citações ilustrativas da tendência à invisibilidade: "(...) o atual evento está preocupado com questões como imaterialidade e as novas tecnologias na trama urbana." "Meu interesse é pela ambiguidade do indivíduo urbano inserido num contexto onde há um excesso de movimento. O movimento da cidade prescinde desse indivíduo todo fisicalidade que se perde"diz o fotógrafo Rubens Mano, que instalou 2 velhos holofotes do exército no Viaduto do Chá. Os dois fachos de luz ficarão acesos, dos dois lados do viaduto, perpendiculares ao fluxo dos pedestres, entre 18.30 e 21 horas. "Os feixes de luz, muito forte são a representação dessa situação. Eles iluminam o indivíduo e ao mesmo tempo, o anulam. A sombra continua, sem anteparo, para o infinito. Não há possibilidade do registro desse indivíduo"diz Mano. "A imaterialidade também está presente no jogo de espelhos do enorme periscópio colocada na fachada do prédio da Eletropaulo para Guto Lacaz e nos trabalhos apresentados pôr Arthur Lescher, 32."
- O Projeto Arte-Cidade "Fluidez tecnológica das experiências tecnológicas contemporâneas da cidade." "tudo é fluxo e passagem, intercâmbio rápido, velocidade, dissolução do próprio conteúdo da experiência. Sequer resta um lugar único onde a exposição é feita. Você transita de um lugar para outro". o trabalho de Tadeu Jungle, elevador "enfatiza a rapidez da experiência, uns poucos andares, uma obra de arte em menos de um minuto, eis tudo." Regina Silveira e o jogo de sombras virtuais "Anna Muylaert trata muito bem da fugacidade. Foi mais longe que ninguém, ao fazer um trabalho que sequer conhece lugar fixo."
b) O trabalho de Hans Donner Ainda que tenha sido noticiado apenas uma vez no jornal, consideramos este caso como significativo dentro do mesmo espírito metodológico do exemplo anterior. Ele é significativo na medida em que o trabalho de computação gráfica de Hans Donner na televisão é bastante reconhecido e legitimado. O trabalho agora como designer implica numa certa ressonância com a tendência à imaterialidade.
" trabalho de computação gráfica aplicado aos móveis, móveis que flutuam"
c) O trabalho de Mira Schendell Em todo o trabalho desta artista a noção de transparência e imaterialidade é fundamental. Ela é um dos componentes das dualidades que procura resolver. Podemos citar como um exemplo importante desta preocupação, a série "Objetos Gráficos"(realizada entre fins de 60 e princípios de 70). Sônia Salztein, no livro "No Vazio do Mundo", descreve e comenta esta obra. Ela consistia em placas de acrílico que deveriam ser suspensas- de modo a permitir a circulação entre elas-e que traziam prensados entre elas, dezenas de desenhos feitos em papel translúcido, mostrando um amálgama de letras, caligrafias, frases dispersas. Sônia Salztein observa, particularmente sobre este trabalho um caráter de virtualidade. Ela tem uma impressão curiosa : os signos literalmente flutuam no espaço.
d) O trabalho de Baravelli : A exposição de Baravelli realizada em 93 mostra que seu trabalho passa de um caminho analítico para um caminho mais sensorial. E é dentro deste espírito sensorial que Baravelli trabalha de maneiras múltiplas a questão dos espectros. Transcrevemos um destes momentos apontados na notícia : "Baravelli investiga "Deus" pôr meio de transparências semi-fluidas ( o acrílico ganha uma superfície sinuosa e enrugada (como se fosse plástico)"
e) O trabalho de Amelia Toledo : A questão da imaterialidade e da transparência vem sendo trabalhada pela artista há 20 anos. Nos seus mais recentes trabalhos estas características são provocadas pelas mudanças no valor tonal das cores. Há nas telas monocromáticas um jogo de camadas de pigmento e de transparência. Trazemos a notícia : "As séries mais recentes, que formam o labirinto em aço inoxidável batizado "Contos na Cor" traduzem o procedimento científico da visionária Amélia, de trabalhar no limite da imaterialidade. Essa série, realizada no ano passado (...) tem 120 peças realizadas em 40 anos de atividade. Basicamente, essas esculturas propõem um jogo ao telespectador, disposto a confundir seus sentidos com a cor virtual. Chapas azuis, roxas, polidas, refletem suas cores com superfícies ásperas."
2.1.2 caracterização do visível :
- O fim do ilusionismo a) Em Regina Silveira a ilusão do plano é desfeita, há o desmanche do ponto central único. Como mostra Teixeira Coelho em "Moderno, Pós-Moderno", seu olhar se escreve na mesma linha de revisão do 'homem moderno', firmada em graus diversos, pelo surrealismo, pelo cubismo e pelo abstracionismo. O crítico prossegue : "(o trabalho de Regina) aponta para o não-visível, mas permite ver-se fazendo isso: o que lhe interessa é figurar o não-visível e não se tornar, ele mesmo, não visível. Analisando a obra "Inflexões" (mas poderíamos estender esta análise para toda sua obra) o crítico observa : "o objeto está fora de lugar, o código de figuração está fora de lugar, o suporte material da arte está fora de lugar, o espectador está fora de lugar. Se algum desses componentes permanecesse em seu lugar, o efeito final não se produziria- e o homem continuaria a ver como o homem moderno."
b) Na obra de Gary Hills a percepção e a perspectiva tradicionais são alteradas : Vejamos o que diz o própria notícia do jornal : "O espectador entrou num corredor escuro e, conforme seis olhos se acostumavam com a penumbra, via vultos a sua volta caminhando em sua direção sem nunca chegar. A ilusão perturbadora dessa proximidade difusa fazia com que o espectador estabelecesse uma relação especular, sem entender a princípio se aquelas imagens eram reflexos de si mesmos ou de outras pessoas reais, outros espectadores que talvez estivessem na sala, a seu lado. Essa estranha percepção dos corpos é um dos temas recorrentes do trabalho de Gary Hill, que pretende abalar fronteiras previamente estabelecidas entre o eu e o outro, o anterior e o exterior, o subjetivo e o objetivo. c) Paulo Monteiro As linhas que aparecem nos seus desenhos e nas esculturas são instáveis. Elas mostram a instabilidade e a turbulência do momento da configuração orgânica. Como mostra o artigo da Folha de São Paulo, "o artista não estabelece uma hierarquia e nem quer confinar a linha. Ela se expande, rompe com os limites do papel, usa suas margens. Nas telas, a tinta salta para fora da tela(...) .O espectador é também atingido pôr esta instabilidade, sendo retirado de sua passividade diante do visível. Ele também é obrigado a entrar no ritmo de turbulência dos garranchos e rabiscos.
- A superficialidade e tactilidade : a)Márcia Thompson O trabalho de Márcia Thompson explora as qualidades sensíveis da superfície pictórica. Existe uma intenção de tornar concreta "os pulsos emitidos pela vibração cromática". É a própria vivência da cor e da matéria que é ressaltada.
b)Mira Schendell Segundo a leitura de Sônia Salztein, com a qual concordamos, o trabalho de Mira Schendell foi, em muitos momentos, um esforço para atingir a tatilidade e a superfície das coisas .Nas últimas décadas, ela atinge uma noção de "fisicalidade" muito forte. Na série "As frutas"de 80 a artista, segundo Sônia, pinta um conjunto numeroso de têmperas que são pura exterioridade. A profundidade das cores é rasa e difusa levando a percepção "a flutuar ou a rebater-se sobre si mesma". O trabalho "Sarrafos" é um outro exemplo. Neste trabalho "é impossível abstrair tais caibros de madeira como linhas virtuais recortando um horizonte ideal. Sônia observa que aí a fisicalidade é impositiva, e demove toda possível inclinação idealista de nossa visão. Na condição de observadores, sujeitos, afinal, somos capturados para dentro desse trabalho e passamos a fazer parte de sua matéria opaca e insondável.
- Corporalidade do espaço : O espaço não é mais extensão infinita, etérea mas corporificado. a)relevos de Lizmag : inexiste uma tentativa de representação do espaço. Ele deixa de ser uma entidade abstrata e passa a ser objeto de especulação sobre a possibilidade de medida. b)as linhas de Elisa Bracher : as linhas rompem os limites do espaço. O espaço não tem dentro, fora, centro e externo. É o espaço vivido e tocado das gravuras que define o espaço. Não se trata mais de um espaço infinito, homogêneo. É o jogo entre o tamanho natural das gravuras e o corpo do espectador que propicia este novo espaço. c)as dimensões de Mira Schendell O trabalho citado acima, da série de desenhos "As frutas" prescinde de qualquer noção de lugar ou de contexto. Como observa Sônia Salztein, "as linhas do horizonte presentes nestes desenhos ou são muito altas ou muito baixas para poderem ser situadas espacialmente". O entorno destas frutas não está sujeito a uma dimensão espacial tradicional (espaço infinito e etéreo), onde o observador se situaria num ponto de vista especial. O espaço, ele mesmo, contém uma interioridade, um diagrama do real supra-subjetivo, avesso a qualquer antropomorfismo. Sônia diz : Com essas frutas que lembram cifras, o trabalho terá chegado a uma nova modalidade de espacialização, sem qualquer referência à posição relativa de um observador. Elas pertencem àquela interioridade una (...)e, e demonstram-se mais do que nunca irredutíveis a qualquer antropomorfismo ( pois os desenhos não sabem o que é próximo ou distante, claro ou escuro, terno ou rígido, denso ou rarefeito.)" d) o espaço de Tomie Othake Em Othake o dentro e o fora, o interno e o externo não se definem mais pelo grafismo. Estas categorias agora são definidas de uma nova maneira. Resta-nos aprofundar ainda o trabalho da artista.
2.2 A Relação Abstrato/Concreto Podemos dizer que praticamente todos os trabalhos do período estudado colocam esta relação entre o abstrato e o concreto. Esta relação pode ser considerada como uma marca característica. 2.2.1 relação entre o conceitual e o orgânico ou sensível Trazemos aqui vários exemplos : a)Trabalho de Dias ( o orgânico contra o construtivo), b) Sued, Sônia Hannud(o orgânico ironizando o racional), c)Mira Schendell(oscilação entre o puramente sensível de um lado e o conceitual de outro) d) O trabalho de Sanches : "Neste trabalho o orgânico é quase sempre insinuado; curvas nascem e ganham liberdade contida, relativa- a partir de formas puramente geométricas (triângulos, poliedros)." e)O trabalho de Resende : "A lógica construtiva e a irracionalidade" f)O trabalho do anglo-indiano Anisch Kapour e do inglês Richard Long : "ponte entre o orgânico e o construtivo". Especificamente sobre o segundo artista, reproduzimos alguns trechos da reportagem da Folha : "(...)num dos trabalhos mais conhecidos, pôr exemplo, ele fez um círculo enorme numa parede, que cobriu com lama, a qual traz as marcas de mão dispostas não unileatoriamente." Segue a entrevista: "Folha-Você usa materiais orgânicos em seus trabalhos, mas estes são construtivistas, trazem estruturas simétricas mesmo. Qual a intenção? Long : "...Meus trabalhos são como grandes obras minimalistas traçadas na natureza. Ficam entre o acaso e o artificial, entre o construtivo e o orgânico."
2.2.2 Relação entre substância e abstração : Dissemos acima que numa grande parte dos trabalhos a questão da abstração e a concreção é colocada. Como isto se resolve nestes trabalhos? Dora Vallier em "Arte Abstracta" é útil numa leitura geral destes trabalhos. Ela observa que "as formas deixam de ser abstratas em intenção, mas vinculam a abstração como um valor interior inseparável de substância. A substância é concreta mas traz um valor interior contaminado de abstração". Vejamos mais alguns exemplos que, embora sem um estudo aprofundado, caminham nesta direção : a) trabalho de Jac Lerner : Não trabalha com metáforas. Trabalha com materiais simples sempre observando os elementos essenciais como o peso, a medida, a quantidade. Mas estes elementos estão carregados de abstração. b) trabalho de Resende : Para o artista "os caracteres físicos não são virtuais, simbólicos ou de representação, mas existem literalmente". Para Resende "não se trata de uma abstração de algumas cores ou a abstração pura. É uma experiência que nasce da própria experiência com o material".
Há vários trabalhos cujo motivo temático e a própria maneira de construí-los é o orgânico, o corpo e o escatológico. Podemos citar, entre outros, o trabalho de Nazareth, Adriane Varejão e vários trabalhos da bienal de Veneza de 93 onde a utilização de materiais e restos orgânicos substituem tintas e outros materiais artísticos. Restou-nos ainda aprofundar nestes trabalhos o estudo da relação entre o orgânico e a abstração. Existem pistas que este entrelace é criado de forma importante.
2.3 Mutabilidade de sentidos/ transmutações
2.3.1 justaposição de tempos, espaços, hibridismos Os tempos e os espaços se justapõem, lugares e momentos se hibridizam. a)trabalho de Nassa (escolhido para representar o Brasil em Veneza) : faz um jogo com o sentido dos pontos cardeais e com o tempo. b)trabalho de C.Y Trumbly : é característico do trabalho do artista manter uma ligação com a arte do passado seja ele imediato ou distante-como a Grécia e Roma antiga. c)trabalho de Denise Milan e José Resende de 94, na Poli. Deusa grega e seu templo, o Parthenon trazendo "a idéia de que as pessoas possam subir e falar recuperando um pouco o teatro grego e a própria idéia do palco". d)trabalho de Lothar Baumgarten : aproveita a arquitetura do lugar. O movimento do visitante é circular. Não existe direita e esquerda, um único ponto de vista. Toda a América está aqui num novo mapa-mundi. O visitante está sempre no centro. e)Na Bienal de 93 de Veneza a arte contemporânea é vista como o resultado de um nomadismo cultural de coexistência de diferentes linguagens. A bienal abriga 40 países :"a tecnologia e a evolução da sociedade moderna levam à necessidade da "viagem" indo em busca das culturas do "outro" para encontrar uma energia expressiva.
2.3.2 transmutações de elementos em outros/mudanças de sentido
a)Jac Leiner : O trabalho da artista tem consistido em colecionar resíduos, cacos da sociedade industrial : "(...) Formada em artes plásticas (...), Jac Leiner sempre trabalhou em séries. Em 85, contou num banco 70 mil notas de cem cruzeiros e criou "os cem". Dois anos depois sai o dinheiro e entram maços de cigarro, da série "O Pulmão. Uma Escatologia Industrial". Em 87 criou "Os Nomes"com sacolas de lojas e expôs na Bienal. A série atual "Corpus Delit" foi exposta pela primeira vez na Documenta de Kassel no ano passado. No princípio eram só cinzeiros de avião." A artista altera as funções e os sentidos dos cacos, resíduos e objetos com os quais trabalha. Existe aqui um trabalho de transformação. Vejamos um trecho da entrevista à Folha de São Paulo : "Jac- Eu não queria que você falasse na palavra alquimia que é transformar metal em ouro, mas é mais ou menos pôr aí. É transformar a neutralidade numa coisa que não seja neutra, para dar um corpo às coisas que não sejam neutras, para dar um corpo às coisas que não tem lugar no mundo. O lugar de uma "necessaire"é dentro da gaveta. A partir do momento que dou um lugar para a "necessaire"que não é a gaveta, estou tirando ela do lugar que não existe. A idéia é quebrar a neutralidade das coisas, dar um corpo para as coisas que não tem corpo nem lugar. É como fazer um trabalho com fitinhas de celofane que abrem os maços de cigarro. Fitinha de celofane é uma coisa que não existe, é totalmente neutra aos nossos olhos."
b)Regina Silveira : Em Regina Silveira as formas são mutantes. Trata-se de "uma geometria em trânsito ", ou seja deformações geométricas dos objetos que os transformam em outros objetos. É significativo neste sentido que o nome de uma de suas exposições seja justamente "Anamorfas", anamorfoses justamente. O crítico Miltom Hatour observa : "Em vez de se ater a uma "metafísica da essência", ela prefere fazer uma incursão ontológica aos objetos e espaços livres de suas determinações particulares. Assim, a leitura desses espaços é sempre polissêmica : a deformação geométrica dos objetos e espaços produz uma perturbação visual incomum, difusa e plural. Espaços fictícios, imagens inventadas que parecem procurar um ponto de apoio que afinal inexiste."
c)Nuno Ramos : O trabalho que Nuno Ramos preparou para a 22a. Bienal de São Paulo teve a preocupação em transformar elementos de ordem diferentes. Ele diz na entrevista à Folha de São Paulo : "(...)No meu trabalho, a linguagem ganha matéria-e nesse momento ela deixa de ser linguagem. 'Mácula'é uma tentativa de entrelaçar linguagens. Tenho uma ligação muito forte com a matéria e, ao mesmo tempo, uma tendência à sublimação da matéria com materiais frágeis como o sal. O paradoxo da matéria virando linguagem e da linguagem virando matéria é muito rica para mim", diz."
d) Gary Hill O trabalho do artista aproxima elementos de ordens diferentes, tenta romper as diferenças. Ele diz na reportagem : "Em geral meu trabalho tem a ver com a materialidade da linguagem, onde não há uma separação entre o pensamento e a linguagem, o pensamento passa a ser uma atividade metafísica, visível. Folha- Pôr que é tão importante mostrar a materialidade da linguagem? Hill- Não é uma necessidade. Tento chegar a um limite, me aproximar dessa fronteira, onde separamos as coisas. Temos teorias sobre o que é físico e o que não é. Tento romper essa categorização de como vivenciamos a linguagem, a imagem, a carne ou o que quer que seja. Não trabalho teoricamente(...)"
VI COMENTÁRIOS FINAIS
Trabalhando através do viés jornalístico, pudemos constatar que uma importante parcela das obras estéticas realizadas no período acima citado podem perfeitamente ser articuladas às categorias da linguagem tecnológica. Existe uma coerência das obras com as características propostas por nós a partir do estudo prévio com a linguagem tecnológica. Resta-nos agora aprofundar o estudo geral destas conexões.
VII BIBLIOGRAFIA
- notícias recolhidas na Folha de São Paulo, anos 93/94 - Catálogos de exposições de Regina Silveira. Crítico: Miltom Hatour. -Resenha do livro de Sônia Salztein "No Vazio do Mundo", realizado pela própria autora para a exposição do Sesi de outubro de1996. -Coelho,T. "Moderno,Pós-Moderno", São Paulo, Iluminuras, 1995. -Levy, Pierre, As Tecnologias da Inteligência. O futuro do pensamento na era da informática, Rio de Janeiro, Editora 34, 1993. - Maffesoli, Michel., La connaissance ordinaire, Paris, Ed. PUF, 1981 -Vallier, D, "A Arte Abstracta",Lisboa, Edições 70, 1980